Foi neste tempo de desposada que Maria recebeu a comunicação de que ia conceber do Espírito Santo. Viu-se grávida antes de coabitar com José. Estava debruçada sobre um abismo.
Começava aí o drama do silêncio de Maria. Na medida em que foram passando os meses, as consequências visíveis da encarnação seriam cada vez mais evidentes. Tinham que dar fundamento para os murmúrios de que Maria tinha dado um passo desonroso, e mesmo adúltero. Podia ser apedrejada em praça pública, segundo a lei e os costumes. Humanamente estava perdida.
Que fazer? Explicar o que tinha acontecido a alguns familiares, para que eles transmitissem a notícia à opinião pública? A explicação pareceria tão absurda quanto infantil. Todos a ridicularizariam e o rumor maligno se alastraria rapidamente, como um fogo. Pior, os ecos de maledicência haveriam de recair um dia sobre seu Filho.
Que fazer?
Quando uma pessoa vive intensamente a presença da Deus, quando uma alma experimenta, inequívoca e vitalmente, que Deus é o Tesouro infinito, Pai queridíssimo, Todo Bem e Sumo Bem, que Deus é Doçura, Paciência, Fortaleza… o ser humano pode experimentar tal vitalidade e plenitude, tal alegria e júbilo que, nesse momento, tudo nesta terra, fora Deus, parece insignificante. Depois de saborear o amor do Pai, sente-se que, em comparação, nada vale, nada importa, tudo é secundário. O prestígio? Fumaça e cinza.
Deus é uma maravilha tão grande, que o homem que o experimenta sente-se totalmente livre. O “eu” é assumido pelo Tu, desaparece o temor, tudo é segurança, e a pessoa sente-se invulnerável mesmo diante de um exército inteiro. (Sl 26). Nem a vida nem a morte, nem a perseguição nem a enfermidade, nem a calúnia nem a mentira, nada me há de abalar, se meu Pai está comigo (Rom 8, 38).
Deve ter acontecido isso com Maria. Nesses meses Maria deve ter experimentado com uma intensidade insuperável, que o Senhor Deus é Doçura e Ternura, Misericórdia e Amor, que o Pai é uma esmeralda brilhantíssima, plenitude, algo tão inefável que as palavras jamais expressarão, a mente jamais conceberá e o coração nunca há de sonhar… que tudo o mais, em comparação, não vale nem importa coisa alguma.
Maria teve uma sensação imensa de liberdade, sentiu-se tremendamente segura e até invulnerável diante de qualquer adversidade, podendo dizer com o salmista: “Bendito seja o Senhor, que fez por mim maravilhas de amor em uma cidade impenetrável” (Sl 30).
“O Senhor está comigo, não tenho medo. Que mal poderia fazer-me o homem? (Sl 117).
Como se dissesse: Deus é meu Tesouro e meu único Bem, podem fazer de mim o que quiserem. Maledicências? Pedras? Chamas? Marginalização? Libelo de repúdio? Nada tem importância. Só meu Deus vale. Só o Senhor é importante. O resto é terra e pó.
E a Mãe ficou em silêncio. Sentia-se imensamente livre.
Tirado do libro “O Silêncio de Maria”, capítulo 3º: SILÊNCIO –Subtítulo “Debruçada sobre o abismo”. Autor: Frei Ignacio Larrañaga.
