Nada que venha de fora, nada que venha de dentro consegue perturbar a serenidade do sábio. Como o furacão deixa igualzinho o penhasco, os desgostos também deixam o homem sábio impassível. É assim que ele se situa além dos vaivéns das emoções e das paixões.
A presença de si é perturbada normalmente pelos delírios do “eu”. Mas, uma vez eliminado o ‘eu’, o sábio adquire plena presença de si, e vai controlando tudo que faz, quando fala, reage e caminha.
Por este sincero e espontâneo abandono de si mesmo e de suas coisas, o verdadeiro sábio, livre de todas as amarras apropriadoras do “eu”, lança-se sem impedimentos no seio profundo da liberdade. Por isso, quando conseguiu experimentar o vazio mental, o sábio chega a viver livre de todo temor e permanece na estabilidade de quem está além de toda mudança.
Assim, o pobre e despojado, quando se sente desligado de si mesmo, vai entrando lentamente nas águas mornas da serenidade, humildade, objetividade, benignidade, compaixão e paz. Como se vê, já estamos no coração das bem-aventuranças.
O homem artificial, o que está submetido a tirania do “eu” está sempre voltado para fora, obcecado por ficar bem, por causar boa impressão, preocupado com “o que pensam de mim”, “o que dizem de mim”, e sofre e estremece nos vaivéns das mudanças. A vaidade e o egoísmo amarram o homem a uma existência dolorosa, fazendo-o escravo dos caprichos do “eu”.
O homem sábio, em vez, é um ser essencialmente voltado para dentro: como já se livrou da obsessão da imagem, porque se convenceu de que o “eu” não existe, não tem nenhuma preocupação com o que possam dizer de um “eu” que ele sabe que não existe. Vive desligado das preocupações artificiais, numa gostosa interioridade, silencioso, profundo e fecundo.
Movimenta-se no mundo das coisas e dos acontecimentos, mas sua morada está no reino da serenidade. Tem atividades exteriores, mas sua intimidade está instalada naquele fundo imutável que, sem possibilidade de mudança, dá origem a toda a sua atividade.
Tirado do livro “Sofrimento e Paz” Capitulo III. Subtítulo “Da pobreza à sabedoria” de Frei Ignacio Larrañaga OFM.