No salmo 138 (139), o salmista mergulha no mar do mistério interior e, até o fim, não emerge em nenhum momento. Mesmo então, é para disparar dardos envenenados contra os inimigos, nãos seus, mas os de Deus.
Perdido em suas águas profundas, paradoxalmente, o centro da atenção do salmista não é ele mesmo, mas Deus.
Para penetrar no núcleo do salmo e rezá-lo com fruto convém começar por se tranquilizar, sossegar os nervos, descarregar as tensões abstrair os clamores exteriores e interiores, cortar lembranças e preocupações e, assim, ir alcançando um silêncio interior, de tal maneira que um contemplador perceba que não há nada fora dele, nada dentro dele. E que só resta uma presença de si mesmo para si mesmo, isto é, uma atenção purificada pelo silêncio.
Este é o momento de se abrir para o mundo da fé, para a presença viva e concreta do Senhor, e é neste momento que o texto do salmo 138(139) pode ser um apoio precioso para entrar em uma oração de contemplação.
Os vestígios da criação, as reflexões comunitárias, as orações vocais podem fazer presente o Senhor. Mas, se me permitem a expressão, são “partículas” de Deus. As criaturas podem evocar o Senhor: uma noite estrelada, uma montanha coberta de neve, um amanhecer ardente, o horizonte recortado em um fundo azul pode “dar-nos” Deus, podem despertá-lo em nós, mas não são o próprio Deus, são apenas evocadores, despertadores de Deus.
E a alma verdadeiramente sedenta não se conforma com os “mensageiros”, como diz São João da Cruz: “Não queiras enviar-me, a partir de hoje, mais nenhum mensageiro, que não saiba dizer o que quero”. E comenta o místico castelhano: “Como se vê, não há nada que possa curar sua dolência a não ser a presença… pede que lhe dê a posse de sua presença”. Para além dos vestígios da criação e das águas que descem cantando, a alma busca o próprio manancial, o próprio Deus, que está sempre além das evocações, dos conceitos e das palavras.
Para penetrar no santuário do salmo 138(139), o homem deve ter presente que Deus não só é seu criador, não só está objetivamente presente em seu ser inteiro, como comunica existência e consistência, mas também é Ele que o sustém, não como uma mãe que leva a criança no seio, mas em uma dimensão muito mais profunda, diferente. Deus o penetra e mantém de verdade em seu ser.
Apesar dessa estreita vinculação entre Deus e o homem, não há simbiose nem identidade alguma. A presença divina é uma realidade que o salmista verbaliza com uma expressão altamente poética: “Todas as nossas fontes estão em Ti”. (Salmo 86(87)
Tirado do libro “Salmo para Vida”, Capítulo VI – Viagem ao interior. De Frei Ignacio Larrañaga.